15.5.11

7. OUTRA DO GENERAL

A rotina do trabalho nos órgãos de proteção ao vôo é marcada por coisas Interessantes. É muito difícil suportar as horas de trabalho sem momentos de descontração. Em cada equipe, há sempre uma pessoa que tem o dom de fazer que as horas passem mais rápidas, com pitadas de bom humor.
Poderia citar o Jumpping John (Sgt Jorge Luiz), ou mesmo o Bonfim (Sgt Bonfim). Esses caras pareciam que nunca tinham problemas e tão pouco tinham contas a pagar, pois o seu humor estava sempre em alta e a manter a equipe sempre de alto astral.
Mas tinha um que se destacou nessa arte que foi o Sgt Brunner - (Fala-se Brinner), vulgarmente conhecido como General. Era descendente de alemão, muito inteligente e extremamente cômico. Era sério, mas cômico.
A impostação de voz é vital para o bom desempenho das funções de controlador. Transmite segurança aos aero navegantes, fazendo com que acreditem que as instruções são as mais corretas e de melhores opções dentro de uma terminal congestionada e complexa, tal como a do Rio de Janeiro e a de São Paulo, mesmo que o operador seja enrolado ou limitado no desenvolvimento do trabalho.
Brunner tornou-se conhecido entre os seus pares e os aeronavegantes, por fazer a voz empostada, imitando um comercial de um famoso narrador da época de um comercial da “Bozzano”. O pessoal da aviação gostava tanto da voz dele que diversos faziam questão de conhecê-lo pessoalmente. Outros incrementavam a satisfação de ouvi-lo, inserindo algo mais, para tornar a operação mais atrativa.
Por exemplo: havia um comandante da Cruzeiro que ao ouvir a voz do Brunner, entrava na fonia desejando um “bom dia, boa tarde ou boa noite” aos operadores, e também imitava a voz daquele locutor da “Bozzano”, e quando a aeronave passava pelo marcador externo (posição reportada pelo piloto a poucas milhas da pista, no rumo do pouso), ele batia numa taça, soando aquele “Tin-tin”, mandando chamar a torre de controle.
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A voz do “Bozzano” estava causando preocupação a um dos nossos chefes administrativos, que o advertia severamente por aquelas atitudes, na expectativa de ter chance de puni-lo. Num determinado dia, apareceu uma autoridade da Academia da Força Aérea, desejando ter um diálogo com o operador do Controle Rio que tinha voz semelhante ao citado narrador radiofônico. Quem recebeu a autoridade foi o chefe administrativo que supôs tratar-se de algo grave. Imediatamente fez com que o Brunner comparecesse ao andar inferior, onde se instalava a chefia para avistar-se com a autoridade em questão.
Quando se apresentou à pessoa interessada em conhecê-lo, foi recebido efusivamente pelo mesmo, que teceu elogios pela forma com que conduzia a operação, qualificando-s de eficiente, e dizendo ter vindo convidá-lo para fazer gravações para a AFA, no departamento de ensino.
Situações que requeriam atenções redobradas, dado ao volume de tráfego ou condições meteorológicas adversas, eram amenizadas com certas frases que o Brunner introduzia no meio das mensagens. Certa vez respondeu a uma aeronave que desejava saber qual era o seu número para pouso, num dia de intenso temporal, com o radar inoperante, e quando um bom número de aviões aguardava a vez para iniciar o procedimento para pouso, ele disse:
- Aguarde seu número para pouso, consultaremos nossos computadores!
Essa resposta não tinha nada a ver com computadores, tampouco possuíamos tal equipamento. Era só uma questão de contar na tela as aeronaves que estavam à frente da solicitante e informar. Aquela resposta nos aliviou num momento de tensão que nos dominava.
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Como forma de passar o tempo nos serviços noturnos, que tinham uma longa duração, tínhamos o hábito de preparar suculentos jantares que eram servidos durante a madrugada. Esse jantar era conhecido como “Resumo” para não despertar a atenção da nossa chefia, que não via com bons olhos aquele tipo de coisa nos horários de serviço. Não havia prejuízo algum, muito pelo contrário, evitava-se que alguns operadores caíssem em sonolência, dada a ausência de tráfego. Tudo era feito dentro de um certo sigilo.
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O nosso colega Brunner, era o cozinheiro. Sabia cozinhar muito bem e se preparava como se fosse um mestre cuca. Vestia-se com avental branco com as iniciais IML e um gorro pontiagudo. Ficava bem a caráter, embora cômico.
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Numa dessas noites, cada companheiro ficou incumbido de trazer um ingrediente para o preparo da iguaria. Ele tinha grande relacionamento com o pessoal das empresas aéreas e naquela noite convidou um dos funcionários para participar do referido jantar.
A porta que dava acesso ao prédio da torre era de alumínio com uma viseira de forma retangular, estreita, na qual cabiam apenas os olhos e o nariz e mantinha-se trancada no período noturno. Quando alguém precisava ingressar na torre, tocava a campainha, que soava simultaneamente dentro da sala radar e no interior da torre. Um de nós descia para atender ao toque.
Quando a refeição ficou pronta para ser servida, com mesa posta bem no centro da sala radar, a campainha soou. Pensávamos tratar-se do nosso convidado. Lá foi o Brunner, ainda vestido a caráter, de cozinheiro, ao andar térreo para abrir a porta. Quando lá chegou, notou que o nosso suposto convidado estava olhando-o pela fresta da porta. Como ele tinha amizade muito particular com tal pessoa, meteu os dedos pela fresta, atingindo os olhos e segurou o nariz do amigo, apertando-o com força e dizendo:
- Tá atrasado, hein! Deves estar com a barriga roncando! De graça até injeção na veia tu toma ne, seu bicão!.. Sem soltar o nariz do coitado!

Abriu a porta e deu de cara com um Coronel da Fab, devidamente uniformizado. Ele não perdeu tempo, passou a mão numa vassoura, começou a varrer o recinto e de cabeça baixa falou que era o faxineiro do prédio, mandando-o subir. Assim que o Coronel ganhou as escadas, ele saiu rápido, embarcando no seu carro e foi embora para casa, achando que seríamos punidos.

Aconteceu o contrário. O Coronel apenas nos pediu informações relativas a um procedimento de tráfego aéreo, achou muito interessante aquela mesa posta, o aroma da comida bastante convidativo e nos desejou bom apetite. Somente pela manhã o Brunner regressou para saber o que teria acontecido conosco em termos de punição, e ficou desapontado por não ter podido saborear o cozido que ele mesmo havia, tão caprichosamente, preparado.




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