Essa historinha envolve três amigos controladores, que através deles vamos vislumbrar algumas das muitas facetas que constroem o “espírito” do controlador de tráfego aéreo.
Até bem pouco tempo atrás, era mantida uma prática sadia de “batizar” o novato, quando ele começava a trabalhar no órgão de tráfego aéreo. O efeito-fim era rapidamente atingido: a sua integração no grupo.
Até bem pouco tempo atrás, era mantida uma prática sadia de “batizar” o novato, quando ele começava a trabalhar no órgão de tráfego aéreo. O efeito-fim era rapidamente atingido: a sua integração no grupo.
O Otávio, um dos que mais cultivava a arte de armar gozações, durante um turno de serviço no período da tarde e já ciente de que colegas que iriam substituí-lo no “pernoitão” seriam o "François” e um novato, preparou o interior da velha torre do Rio para o “espetáculo”, mas sem nada contar aos futuros intérpretes.
Usando a almofada de carimbo, umedeceu com tinta as pontas dos dedos e juntando-as, foi imprimindo as marcas, parecidas com as patas de um animal, formando uma trilha que passava por cima do balcão lateral, subia pelo vidro, atravessava todo o teto da torre (ele teve que subir numa mesa para fazer essas marcas) e descia do outro lado, terminando por sair na portinhola baixa que servia para a ventilação. Isso feito, ele se utilizou das cinzas dos cigarros que havia no cinzeiro e foi espalhando-as, cuidadosamente por sobre as marcas, dando-lhe aspecto de terem sido feitas há bastante tempo. Já próximo ao horário de rendição, o novato chegou primeiro e começou a tomar conhecimento dos afazeres, quando o Otávio dele se aproximou e cochichou ao seu ouvido:
- To preocupado com você...
- Qual problema chefe?
Eu não devia te contar, mas como se trata de um assunto delicado, é melhor que saiba logo. É que só tu estás fazendo dupla com o François, porque ninguém quer trabalhar com ele nesta época do mês.
- Ué, e o que é que tem isso?
Bem é que nestes dias, devido à fase lunar, o François.... Bem, lá pela meia noite, ele costumava se transformar em lobisomem, mas apesar da aparência horrível em que fica, até hoje, nunca fez mal a ninguém. Enquanto falava, o Otávio dirigia o olhar do novato para as marcas que ele fizera.
- E como ninguém toma providências? - Perguntou o novato engolindo em seco.
- Isso não tem conserto, rapaz. É um triste fardo que ele tem de carregar, mas esse é o único emprego que ele conseguiu manter para continuar sobrevivendo, isso sem contar que é um excelente profissional. Sempre que aproxima da meia noite, ele dá um jeito de sair e se transforma no “bicho”. Toma cuidado, viu !?
Com a chegada do François, o Otávio se despediu e foi pra casa. O resto da história nos foi contato posteriormente pelo próprio François, que era um tipo muito magro, e tinha a arcada dentária superior composta de dentes amarelados, salientes e de tamanho bem maior que o normal.
Logo que ficaram sozinhos na torre, o novato pediu para ir ao reservado e, em vez disso, foi até a cozinha do aeroporto, onde conseguiu arranjar alguns dentes de alho que guardou no bolso. No caminho de volta, armou-se de uma ripa que ocultou sob a perna da calça. Continuaram trabalhando, mas as marcas das patas cruzando o teto da torre não saíam da visão, nem da mente do novato.
Começou a se aproximar da meia noite e o pobre do François, como já era de conhecimento geral, gostava de tomar seu café no aeroporto, justamente naquele horário. Dentro da penumbra reinante no interior da torre, o François virou seus grandes olhos para o novato e lhe falou, com sua voz grave e ligeiramente rouca:
- Dá um guenta ai que eu vou beber um café e tomar um pouco de ar.
Foi demais para o novato. Deu um salto pro lado, sacou uma ripa sob a perna da calça, enquanto sua outra mão, trêmula, revolvia o bolso.
- Ó, se tu pensas que vai vira lobisomem, eu não vou te dar folga não. Já estou com dente de alho para cortar a metamorfose e se não der certo, olha que o porrete vai comer solto no teu lombo. To sabendo de tudo! A tua transformação hoje não vai acontecer não!!....
O François percebeu logo que se tratava de “mais uma do Otávio” e, com muito tato, foi acalmando o garoto até que acabaram aos risos hilários dos dois, e sempre a pensar num “troco” para aquela brincadeira, que ao ser contado aos demais na rendição, já de manhã, não conseguiam se conter aos risos de mais um batismo da torre. E por muito tempo ao passarem pelo novato ainda faziam trejeitos de transformação em lobisomem.
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